Garota25: Meditar(1)

Malokêarô
3 min readJan 27, 2019

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Você prepara seus textos? Quer dizer, você pensa, escreve, corrige, elabora e formata da forma que você imagina que ficaria “mais legível” para o público ou só faz nascer o texto?

E os seus desenhos, como são? Você fica pensando na estrutura arquitetônica das formas geométricas que garantiriam a cena perfeita e genuína ou só segue sua caneta*?

Sinto que é um trabalho bastante árduo expremer as ideias do fundo de si e fazer virar um livro. Daqueles livros que você sabe que foi você quem contou a história e que você consegue ir e voltar pelo caminho daquelas palavras, e aquilo está tão perfeito aos olhos de você, a criadora, que sua vida se completa. E tudo fica numa boa.

Acabam os efeitos colaterais de viver nessa nossa condição tão digna de se pensar perto da fantasia total.

Retomando… Você procura as palavras no dicionário virtual para decidir se realmente vai usar uma palavra numa frase? Você fica criando palavras junto com o seu amor online?

Com certeza existia uma princesa em algum lugar distante que não teve escolha e veio pra cá. Ela veio na barriga de outra mulher, e lá ela era muito protegida. A barriga da mãe é onde todas as crianças são protegidas 100%. Nunca mais, depois que a gente nasce pro mundo, a gente consegue sentir o cobertor do primeiro e único ninho nas costas. Dizem que só a morte te cobre assim novamente. No meio disso, só os abraços e dormir de conchinha com alguém que a gente não confia tanto quanto em nossa mãe.

Essa mulher carregou a princesa na barriga enquanto viajava na barriga de um grande barco negro, navegado por homens… Essa história você já deve conhecer. No final, eu quero dizer que essa princesa que chegou há séculos aqui na barriga da mãe dela ainda vive no corpo de suas próprias filhas e netas. E filhos e netos, essas paradas também acontecem com os homens.

E nós, aqui em 2019, carregamos conexões milenares. E isso, para mim, é a prova de que existe um motivo não aleatório que me fez negra, mulher, com 25 anos na cidade de São Paulo, neste fluxo de tempo onde tudo o que eu escrevo já se torna passado imediato.

Fico sempre me perguntando se nós, como pessoas, estamos nadando para morrer na praia ou vivendo para virar estrela.

Hoje eu não vou preparar o texto,

porque hoje eu consegui guiar, neste espaço de texto, meu processo criativo.

Você começa dezenas de ideias e sofre como uma condenada para conciliar todas elas com as atividades da vida capitalista-afrobrasileira-feminina e em ascensão?

Malokêarô

Não sofra como uma condenada. Ou sofra e crie arte. Ou esqueça que tentei usar imperativos com você como se isso aqui fosse um motivacional e eu estivesse aqui, numa boa, na cobertura de um prédio, tomando chá e escrevendo sobre a vida.

Como será que a gente dá rumo nas coisas?

Um dia eu li um livro, nesse livro tinha a história de uma mulher que vivia em Texaco, na Martinica (isso significa que sim, eu já estive na Martinica, em leituras de livros, a melhor viagem, de graça e no camarote de quem narra), essa mulher contou a vida toda dela, a vida toda do pai dela, e a vida toda dos avós dela — o que ela sabia, lógico.

No meio da história contou que ela se apaixonou por um homem lindo e tal, mas esse cara tinha um objetivo na vida: viajar para algum lugar. Ele disse à ela que ficariam juntos até ele descolar um jeito de ir embora. Um dia ela acordou e ele não estava mais lá, mandou um postal depois de muito tempo, dizendo que estava feliz, nunca mais voltou.

As luzes vão se apagando, você fecha o livro. Vai ler amanhã.

*ou quaquer material que você use com preferência.

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Malokêarô

A minha idade não sabe quando começou, muito menos quando pretende terminar.