Te vejo hoje.

Malokêarô
4 min readSep 7, 2019

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Hamilton e Blade

Combinei de me encontrar com ele às quatro; aí ele mandou mensagem me dizendo que só conseguiria chegar cinco e meia, o mano só chegou cinco e quarenta e cinco. Sabe, pro lazer ser lazer tem que ter compromisso. Mas isso me deu tempo de fazer uma preguiça, limpar a cabeça, dar uma geral em tudo, tomar banho e partir pro terminal. Fui de shortinhos, que assim já dava um clima todo de excitação na hora do abraço, um clima de cada um já imaginar o prazer de se apertar no corpo do outro ali, pelados. Ele sabia o que fazia, era tão simples e delicioso, desci pensando nisso, pensando que eu já tava aberta pra ele todo, pudia entrar atropelando eu inteira se ele quisesse. Mas ele não fazia isso, ele só me atropelava um pouquinho.

Vi ele me vendo, não sorria não. Fazia cara de sério, talvez a cara que faz quando não repara que tem alguém vendo. Cara de duro. Aí sorriu quando cheguei mais perto, talvez também fosse dificuldade de visão, vai saber.. Começou a assobiar e a boca dele formava um buraquinho por onde saía um som que me deixava meio constrangida, porque ninguém fica assobiando em são paulo. Ele gosta de fazer isso, me fazer sentir estranha por me ver em maior sintonia com o universo do que todas as pessoas ao meu redor. Ele se parece comigo, eu vejo isso e fico com um tipo de medo.

Então quando eu estava ali, com a cara virada pra cima dum jeito que conseguia ver ele melhor, senti o abraço começar, apertei bem meus peitos nos peitos dele, cheirei o pescoço e fui respirando grudadinha até chegar na boca que estava semi aberta e pronta pra avançar com a língua por entre meus beiços. Eu sentia a barriga dele na minha e já lembrava da gente pelado. Acho que ele também. Se não pensava isso tava no mínimo se lembrando de outra situação parecida.

Só que nunca fazemos sexo direto, porque a transa é o encontro, e fazer amor envolve muita ficção e teatro, tem que criar tudo, se não viramos só dois porcos no chiqueiro antes de serem transformados em linguiça. Parques, praças, ruas, bairros, vida. Cruzamos a São Paulo e a grande São Paulo em hotéis com espelhos dos mais variados ângulos. Mas agora era diferente, eu não era mais aquela garota bunduda que precisava dizer que ia dormir com alguma amiga para poder transar de madrugada, agora eu tinha uma casa para morar sem guardinhas familiares, poderíamos utilizar todos os cômodos e largar tudo no chão e na pia.. E, dessa vez, eu queria que ele fosse nos lugares que eu gosto e conheço daqui do meu bairro.

São tantos lugares bonitos aqui no bairro que eu fiquei indecisa. Também fiquei indecisa porque sou de gêmeos. Pensei em levá-lo no centro esportivo, nas ruas com árvores bonitas e que fazem uma sombra com charme e generosidade, pensei também na biblioteca. Talvez eu usasse o roteiro que fiz com outro cara com o qual desperdicei a maravilhosa oportunidade de sentar pois quis fazer a santa leal ao meu pau atual. Não me arrependo, mas quando lembro fico triste. Enfim.. Na vez que eu me lembrei desse cara (vamos chamá-lo de Hamilton, Luis Hamilton), na vez que me lembrei do Luis Hamilton foi quando eu disse ao meu atual (vamos chamá-lo de Blade) que tinha tomado açaí com o Hamilton e que tinha sido uma delícia.

Eu não sei se os homens relacionam açaí com sexo, mas o Blade ficou em silêncio por uma semana e na quarta-feira seguinte me chamou para tomar açaí. Me recordo que achei fofo mas também patético, podia ter me convidado para sair sem estar disputando mentalmente com outro homem com quem nunca transei (mas hoje gostaria).

No fim levei ele pro açaí mesmo, pois era muito delicioso aquele açaí coberto de calda de chocolate, quando me lembro me sobe um desejo de fome. Ele nem quis entrar. Inventou um picole e voltar para casa. Eu fiquei um tantinho chateada porque eu tenho uma mania de querer roteirizar e dirigir minhas relações pessoais sem contar aos meus relacionamentos que eles e elas são atores e atrizes. Ele olhava as ruas e me olhava, usava um chapéu de cubano, um camiseta da mama África e uma bermuda.. Realmente esse Blade é muito gostoso, mal sei o que pensar além de sacanagem, mesmo nos momentos de maior carinho e admiração intelectual, ambiental e humana sinto minha vagina contrair como se ela tivesse conexões que eu sozinha não teria.

Daí ele se encostou numa mureta, essas de praça, que estava embaixo de uma mangueira (sente o clima), o sol fazia tudo o que era natural brilhar. Fui chegando, ligamos umbigo no umbigo, mesmo que por cima das camisetas. Ele apertou minha cintura de um jeito sutil mas que lembrava muito a forma dele me segurar dentro dos beijos nus e penetrantes mais sinceros. Na proximidade ele colocou uma das pernas entre as minhas pernas, e beijou minha boca no mesmo tempo em que puxava o gancho do meu shorts jeans para cima, esse gancho do meio da bunda, que faz apertar ainda mais a calcinha e terminar de melar tudo. Estávamos moles e salgados pelo suor da andança. Talvez alguma pessoa estivesse curiosa na janela por detrás da cortina, como minha mãe faz quando quer bisbilhotar a rua. Iria ver a gente se amassando, um casal tão esquisito debaixo da mangueira. Eu e o Blade, o caça vampiros.

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Malokêarô

A minha idade não sabe quando começou, muito menos quando pretende terminar.